Não se percebe.
É que não se percebe mesmo.
Toda a sua vida procurou o Tal - horrores que ensinam às criancinhas, mal acabam de tirar os cueiros!
Pensou tê-lo encontrado, casou-se e tudo - cozinhou todos os dias, lavou roupa, estendeu-a, apanhou-a e passou-a a ferro, arrumou e limpou a casa, tratou dele, amou-o, honrou-o e foi-lhe fiel todos os dias da sua vida, para o bem e para o mal…, tudo à espera de Amor…, tratou dele com a esperança que ele tratasse dela…
Mas afinal ele não era o Tal.
Afinal, aproveitou-se da inocência e ingenuidade dela e fez-se maior, superior a todos; pensou que era o maior lá da aldeia.
E ela deixou-o espezinhá-la, pois não o podia perder, porque pensava que ele era o Tal.
Comia restos de afecto, migalhas de amor e espinhas de atenção.
Com o coração magoado, muitas vezes o empurrou da cama quando ele chegava tarde. Ele ia para a outra cama do outro quarto. Ela, porque pensava que ele era o Tal, ia atrás dele, a suplicar-lhe perdão e a pedir-lhe, quase de joelhos, que voltasse para a cama.
A vida dela era insuportável, viver com aquele homem que a desprezava, sempre a pensar que era o Tal, pensando que a vida seria impossível sem ele, que mais ninguém a amaria do modo que ele o fazia, sim, porque durante este tempo todo ela estava convencida que ele a Amava.
Até que acordou do seu marasmo, da sua inércia e da sua estupidez amorosa. Acordou, olhou para ele e não viu o Tal, viu apenas um homem mesquinho e egoísta. Frustrada por ter dado décadas da sua vida a este homem, quase se suicidou. Enfiou-se, então, dentro de um casulo protector e quando teve força, divorciou-se.