O roupeiro é dos antigos, de pinho, escurecido pelos anos. Tem três portas com um espelho embutido e um gavetão em baixo. Metade do roupeiro está pejada de fatos de homem, velhos e coçados, em fazendas escuras, castanhas, cinzentas e azuis. As camisas, imensas, de várias cores, com ou sem riscas, de xadrez, claras, escuras, novas e velhas, estão amontoadas em duas cruzetas.
No gavetão, as cuecas, meias e gravatas estão meticulosamente dobradas e guardadas em caixinhas de cartão. Escondida no meio destas, está uma fotografia velha e amarelada de uma mulher jovem e bonita, a falecida dona do roupeiro.
Américo olhava para o gavetão com desmaio. Já se tinha lavado e vestido. Envergava um fato azul-marinho e uma camisa de riscas azuis e cinzentas. Estava satisfeito com o conjunto, que lhe parecia adequado à ocasião, o jantar de formatura da neta mais nova, uma boa menina que agora era doutora.
O problema de Américo nunca fora decidir o que vestir, mas sim que gravata usar. Esta era sempre escolhida pela esposa.
“Alzira, Alzira, a falta que tu me fazes!” Ao lembrar-se da mulher caiu-lhe uma lágrima rebelde, limpa de fugida com um lenço de algodão. Américo debruçou-se e pegou em três gravatas de cores diferentes. Olhando-se ao espelho, encostou-as ao peito, uma de cada vez, como a mulher costumava fazer.
“Alzira, que achas tu da cinzenta? Muito escura e triste? Pois... Eu gosto da vermelha. Não, a Martinha não se vai casar... Está bem, tens razão, vermelho é para casamentos e azul para almoços de Domingo.” Américo volta a guardar as gravatas no lugar e pega inseguro numa amarela com riscas azuis claras. “Tens a certeza? Muito bem, levo a amarela.”
Américo, mais confiante, pôs a gravata, fechou o gavetão e foi ter com a família.
Reflectido no espelho do roupeiro, o outro lado do quarto. Aí, sentada no cadeirão, Alzira sorria.