O tapete rolante acarta as compras de mais um cliente até mim. Passo-as uma a uma pelo leitor de código de barras, expondo-as ao seu halo vermelho-vivo.
No entanto, eu sou um rei. Um povo inteiro debruça-se sobre os seus joelhos flectidos quando a minha imagem se revela ou a minha voz se faz ouvir. Enviados de países estrangeiros, com as suas democracias hipócritas, fazem-me vénias quando os recebo no meu Palácio Diplomático. Os presentes são muitos e variados, mas eu acumulo-os num armazém de luxo, devidamente catalogados por inventaristas e dispostos por decoradores de muito bom gosto que transformaram a minha dispensa no Museu da Coroa, aberto ao meu grande povo.
Eu não minto. Digo tudo o que penso e aceito que falem de mim. O meu povo sabe que não os deixo ficar mal. No meu reino não entram banqueiros, nem há publicidade. Há comércio utilitário, há lojas cheias e gente feliz. O nosso dinheiro tem a minha cara... e que belo semblante é o meu!
Ah! E as mulheres? Ah... Lindíssimas! Delicadas mas de bom espírito forte!
Ah! E os vinhos? E os licores? E o nosso tabaco? Magníficos!
Não os partilhamos. Não corremos esse risco! Não estamos nada interessados em comércio com o exterior. O meu povo está ciente das armadilhas inerentes ao contacto com o mundo nojento fora dos muros do reino. O nosso exército é o mais bem preparado e motivado de todo o mundo conhecido. Ninguém ousa meter-se connosco. Todos nos respeitam! Todos me respeitam! Todos...
«Olh'ó faxavor!»
O meu cérebro regressa ao tapete rolante e à caixa registadora.
«Vem p'áqui dormir?!»
Um dia fodo estes gajos pelo seu desrespeito. Sou um rei! Um dia rebento com esta merda toda...