Era uma brincadeira da infância, cheia de inocência, um grupo de miúdos escondiam-se num quarto escuro, outro que permanecera na luz entrava no quarto para revelar quem lá estava. Todos ficavam com o batimento cardíaco mais acelerado, principalmente o que era procurado. As sombras falavam com todos, aconselhavam locais para se esconderem e depois denunciavam a sua presença. Menos a um, a quem as sombras acolhiam com especial respeito.
Os anos passaram, os miúdos que noutros tempos brincavam ao inocente jogo começaram a interessar-se por outras coisas. Depois da escola, veio a faculdade, os casamentos em massa e os trabalhos. Mas tu continuaste a interessar-te por aquele quarto sem luz, passaste anos a conversar com as sombras. Horas e horas a maquinar e a ouvir.
A luz começou a ferir-te e as trevas do quarto enegreceram-te a alma (não encontro outra explicação para o que aconteceu depois, recuso-me a acreditar quando me disseram, que tinhas sido sempre assim).
Invocaste novas sombras e começaste a atrair outros a conhecerem-nas; como se tivesses continuado os jogos que em tempos brincávamos. Como bom mestre de jogo, alteraste-os, agora eram únicos. Pessoa a pessoa, foste conduzindo-as para a sombra.
Soube de tudo pelos jornais, segui cada reportagem em completa negação. Repeti no café várias vezes “Ele é um puto fixe! Amigo do seu amigo”.
E os horrores daquele quarto recuso descrever aqui, imagino-os todos os dias quando estou a andar pelas ruas ou quando o Sol se esconde. Durmo de luz acesa e penso como aquele jogo era tão inocente. Lá não havia sangue nem dor, muito menos mentiras e violência. Onde te inspiraste? Porque não esqueceste o jogo? Havia tanto no mundo para te apaixonar. Porque escolheste o que te tornaste? Desejo que te mantenham preso num sítio onde as sombras não te alcancem.