De Segunda a Sexta, 300 palavras por dia.

03
Jul 08

Era como se um vidro estivesse a atravessar a garganta da Maria, algo a rasgava, as dores gritavam. Uma banda sonora agridoce acompanhava o momento. As imagens não eram da vida do João, apenas de um filme que foi ver e foram suficientes para o fazer chorar. Ali na escuridão, onde ninguém o conhecia, deixou as lágrimas correrem, uma torneira estragada, mais tarde um oceano.

A única vez que me recordo de o ver a chorar já foi há algum tempo ou talvez tenha apenas sonhado com isso. O João não é de choros, é de fazer os outros chorar. Um especialista em partir corações de pessoas que lhe entregam tudo. Francamente, tem jeito! Interessa é ser bom em algo, mesmo que seja em algo repugnante.

Aquele filme mexeu com ele, foi para casa inquieto, entrou pelo apartamento, passeou-se por lá, talvez supondo encontrar algo. Pensamentos diferentes chegaram até ele sem qualquer controlo, magoavam-no, obrigavam-no a ver as coisas como elas eram. Ele só queria fazer as coisas bem, queria mesmo, mas custava-lhe tanto estar do lado certo.

No dia a seguir, quando o Sol nasceu, houve uma mudança radical na sua vida. Não acordou, não morreu. Simplesmente ficou a dormir, como se a consciência dele tivesse ancorado em algum porto incerto. E neste sono conseguiu chegar a uma distante terra da sua alma.

A paisagem era uma explosão de sensações, parcamente relacionada com a nossa realidade, sem cima, sem baixo, sem esquerda, sem direita, sem palavras, sem pensamentos, apenas uma eternidade de coisas sem nome prolongadas com diferentes intensidades em todas as direcções. Ao que parece viajou muito e encontrou uma mensagem mágica, o problema é que se esqueceu ao acordar. Mudou porque a partir desse dia nunca mais se traiu, foi um bom sacana o resto da vida.

publicado jjnopants às 00:01
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02
Jul 08

Será que ela sabia o que eu sentia? Quase acreditava que sim...

Os convites de última hora não eram novidade, logo não foi o telefonema para sairmos duas horas depois que me surpreendeu. O que espantou foi a disposição dela.

Estava tão alegre, tão bem disposta. Também isso é normal nela, mas naquela tarde, parecia estar num patamar mais elevado de bonomia. Estava brincalhona, divertida. Mas mais que isso, estava constantemente em contacto físico comigo. Parecia não se conseguir manter mais que alguns segundos sem me tocar. Caminhava de braço dado comigo, a rir-se. E segundos depois de largar, dava-me a mão, acariciando-ma antes de ma apertar.

E as caricias não se limitavam a isso, fazia-me festas no rosto frequentemente. E o olhar dela, meu Deus, o olhar... Não me lembro de alguma vez o ver assim. Pareciam cheios de ternura, e o sorriso dela quase me permitia pensar que a ternura nos seus olhos era para mim.

Aquela tarde trouxe-me à tona todos os sentimentos que eu tentara esquecer.

Não aguentei mais, e perguntei-lhe de onde vinha toda aquela felicidade.

- De onde achas? - disse ela, com um sorriso.

- Não faço ideia.

- Bom, - disse ela, aproximando-se de mim, - estive a reavaliar a minha vida, a olhar para mim, por dentro e por fora. E percebi muitas coisas.

- Como por exemplo? - Não sei se a esperança transparecia no meu rosto, mas suspeito que sim.

- Por exemplo... - ela fez uma pausa. Pareceu-me interminável. - Finalmente percebi o que significas para mim.

Não resisti. Sorri, ela sorriu também. Muito. Abracei-a. Queria senti-la junto a mim.

- Gosto tanto de ti... - disse-lhe.

- E eu de ti. - respondeu ela. - És o melhor amigo que alguma vez tive.

E juro que senti parte da minha alma morrer.

publicado jjnopants às 00:01
editado por Luís F. Alves às 00:28
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01
Jul 08

Jorge ouviu falar da técnica dos contrários, não fazer o que se espera de nós, mas o oposto, surpreender os outros e, assim, mudar os comportamentos e pensou, ora aí está uma técnica para experimentar no 8ºD.
Na escola, Jorge atravessou o corredor com passadas firmes e entrou na sala confiante: venceria aqueles malandrecos, que lhe arruinavam o dia, lhe atormentavam o espírito e lhe roubavam a paz de alma.
A aula começou e, aos poucos, foi-se instalando um burburinho, preliminar para a confusão habitual que transformava a sala de aula numa batalha. Jorge aguardou tranquilamente a surpresa do dia.
De repente, uma mochila caiu aos seus pés, assustou-se e os alunos gargalharam divertidos. É agora, pensou, é agora que acabo com eles. Estão à espera que ralhe, grite, castigue, esperneie, inquira quem foi o autor do lançamento, obrigue a revelar a identidade do artista, mas vão ter uma surpresa.
Jorge sorriu e disse, os meninos querem estudar a aerodinâmica das mochilas, querem vê-las voar, então, meus meninos, fazem o favor de o fazer: atirem as mochilas ao ar, façam-nas voar!, vamos, é uma ordem!
Os alunos olharam em silêncio para ele, sem o entenderem, espantados com a novidade, com a mudança no professor.
Mas, aos poucos, um sorriso de entendimento se espalhou pelas caras deles. Entreolharam-se, sorriram e obedeceram. Mochilas voaram e caíram, voltaram a voar e a cair. Risos e gargalhadas soaram. Faces brilharam de alegria e contentamento.
A porta abriu-se e Ana, que estava na sala ao lado, gritou: Que barulho é este?!
Durante uma milésima de segundo, o tempo parou: as mochilas planaram, os alunos e Jorge congelaram. Então as mochilas caíram ao mesmo tempo, os alunos sentaram-se, Ana saiu da sala indignada e Jorge continuou a dar a aula, agora sem acreditar em técnicas inovadoras.

publicado jjnopants às 00:01

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