Era como se um vidro estivesse a atravessar a garganta da Maria, algo a rasgava, as dores gritavam. Uma banda sonora agridoce acompanhava o momento. As imagens não eram da vida do João, apenas de um filme que foi ver e foram suficientes para o fazer chorar. Ali na escuridão, onde ninguém o conhecia, deixou as lágrimas correrem, uma torneira estragada, mais tarde um oceano.
A única vez que me recordo de o ver a chorar já foi há algum tempo ou talvez tenha apenas sonhado com isso. O João não é de choros, é de fazer os outros chorar. Um especialista em partir corações de pessoas que lhe entregam tudo. Francamente, tem jeito! Interessa é ser bom em algo, mesmo que seja em algo repugnante.
Aquele filme mexeu com ele, foi para casa inquieto, entrou pelo apartamento, passeou-se por lá, talvez supondo encontrar algo. Pensamentos diferentes chegaram até ele sem qualquer controlo, magoavam-no, obrigavam-no a ver as coisas como elas eram. Ele só queria fazer as coisas bem, queria mesmo, mas custava-lhe tanto estar do lado certo.
No dia a seguir, quando o Sol nasceu, houve uma mudança radical na sua vida. Não acordou, não morreu. Simplesmente ficou a dormir, como se a consciência dele tivesse ancorado em algum porto incerto. E neste sono conseguiu chegar a uma distante terra da sua alma.
A paisagem era uma explosão de sensações, parcamente relacionada com a nossa realidade, sem cima, sem baixo, sem esquerda, sem direita, sem palavras, sem pensamentos, apenas uma eternidade de coisas sem nome prolongadas com diferentes intensidades em todas as direcções. Ao que parece viajou muito e encontrou uma mensagem mágica, o problema é que se esqueceu ao acordar. Mudou porque a partir desse dia nunca mais se traiu, foi um bom sacana o resto da vida.