Tinha tido uma vida fabulosa com a minha irmã. Todos em casa nos prestavam a respectiva e merecida vassalagem: éramos da realeza!
No entanto, tudo acabou quando Afonso foi viver em nossa casa. De repente, deixaram de nos adorar e começaram mesmo a ignorar-nos. Sim, no dia em que Afonso entrou, os nossos pés dirigiram-se para a porta!
Um dia pentearam-nos para ficarmos bonitas porque íamos passear. Saímos para a rua, num dia invernoso, escuro, ventoso e frio.
Estavamos desconfiadas, porque tínhamos ouvido as conversas sussurradas entre eles e sabíamos que Afonso estava doente, pois sofria de umas alergias quaisquer. Mas não estávamos preparadas para nos deixarem no Orfanato.
Puseram-nos num quarto com mais trinta. O medo passou a ser uma constante, pois todos os dias éramos agredidas. O nosso único conforto naqueles dias duros, era estarmos juntas.
Os dias passaram sem darmos conta das datas, apenas a luz sucedia ao escuro, a noite sucedia ao dia, repetidamente.
Um dia, a felicidade pareceu-nos ser novamente possível: uma família de acolhimento. Pura ilusão! No novo lar, deram-nos banho e obrigaram-nos a comer. Detestamos água e não tínhamos fome, só queríamos paz, sem medo nem traumas. Mais um tempo amargo.
Depois soubemos que havia duas famílias adoptivas interessadas. Separaram-nos. Fui para uma casa e a minha irmã para outra. Nunca mais ouvi falar dela.
A minha família adoptiva era estranha e quando viram que estava doente mandaram-me embora. Foram-me buscar.
Estava parada, infeliz e a desejar morrer, quando outra senhora apareceu. Disse-me palavras doces, afagou-me e deu-me um bocadinho de comida na boca. Há tanto tempo que não era tratada assim…
Decidi ali que iria adoptar esta senhora: levantei os olhos e olhei para ela, ergui a minha pata e toquei-lhe gentilmente na cara, aninhei-me no colo dela e ronronei alto.