Manuel Barroso é um homem regrado por hábitos. Levanta-se todos os dias às sete em ponto. Calça os chinelos, colocados com precisão no lugar, e dirige-se à casa-de-banho, onde inicia a sua higiene diária lavando os dentes. Seguidamente despe o pijama (que é cuidadosamente dobrado) e toma um duche rápido.
Manuel seca-se sempre começando pela perna direita, seguindo-se a esquerda, depois o tronco, as costas e finalmente a cabeça e os braços. Depois de seco, barbeia-se. Segue-se o meticuloso ritual da vitualha após o qual, um respeitável senhor Barroso sai do quarto envergando o seu impecável Fato Cinzento.
O pequeno-almoço, preparado pela mulher, Albertina, ainda de chinelos e robe vestido, é tomado segundo o estilo inglês, com um ovo cozido, torradas, marmelada e café.
Às oito menos cinco, Manuel Barroso sai de casa para apanhar o autocarro das oito e sete, que o leva, por entre vilas e lugarejos, em direcção à cidade.
Manuel adora a sua rotina. Adora a estabilidade que esta trás à sua vida e o resguardo que proporciona dum mundo que cada vez o desgosta mais.
Certo dia, Manuel vê a sua preciosa rotina ser ameaçada. Esperava pelo autocarro na paragem quando ouviu duas senhoras comentar a supressão da carreira 251. A sua carreira. Manuel fez a viagem atormentado por imagens de manhãs diferentes nos seus mais variados pormenores. Na cidade, as suas pernas levam-no por um caminho diferente, até ao Departamento de Transportes Municipais da Câmara.
“Bom dia. – diz Manuel - A carreira 251 vai ser suprimida?”
“Sim.” – responde-lhe a atarefada jovem por trás da secretária, sem o olhar.
“Não podem… é a minha carreira. É…” Manuel sente-se sufocar, tenta chegar à gravata, mas os dedos perderam a força. Sente uma dor terrível no braço e colapsa no chão de coração partido.