A primeira coisa que notei na casa de João foi o ar pesado. Todos os estores estavam fechados, e a sala onde me recebeu estava apenas iluminada pelo monitor do computador.
João contrastava com o ambiente. Sorriso aberto e bem disposto, roupa de cores vivas, embora simples, e um aperto de mão forte e animado.
- Há seis anos - disse, em resposta à minha primeira pergunta. - Não preciso de sair de casa. Tudo o que preciso posso encomendar, por computador ou telefone.
- Mas tem medo do mundo exterior, ou de germes, ou...
- Nada disso. Simplesmente habituei-me ao conforto de viver sempre dentro de casa, e conclui que não há razão nenhuma para sair.
- E não sente falta de vida social? Ou mesmo romântica? A maioria das pessoas tem dificuldades em viver sem o contacto com os outros...
- E eu também tenho. Mas sempre fui algo solitário por natureza, e por isso não sinto tanta falta como os outros. E a falta que sinto compenso online. Eu estou sempre em contacto com os meus amigos, seja por mail ou mensagens instantâneas.
- Bom... Perdoe-me, mas tenho que perguntar. E quanto a sexo?
João riu-se.
- Sexo também se pode encontrar online. Já tive uma namorada que conheci na net, e não é a primeira vez que... encomendo, digamos...
Ao longo de toda a entrevista, João surpreendeu-me com quão bem ajustado estava à sua vida isolada.
Eventualmente, senti a garganta seca, e pedi-lhe água. Ele foi à cozinha, e não resisti a olhar para o sempre aceso monitor, onde estava aberto o Messenger dele.
Todos os contactos dele eram bots, a publicitar sites de webcams eróticas, ou algo de semelhante. Nenhum deles tinha uma pessoa autêntica por trás.
Quanto terminámos, João despediu-se com o mesmo sorriso com que me recebera.
Ainda não sei se o sorriso era suposto enganar-me a mim, ou a ele.