A noite estava escura e fria. Tão fria que começava a formar-se geada. Seria difícil caminhar sem escorregar, não fossem aquelas solas de borracha antiderrapantes que usava. A humidade tinha uma certa vantagem: as ervas não restolhavam ao passar e conseguia mover-se quase silenciosamente, tudo o que pretendia.
Por causa da escuridão e do frio, estava alerta e tinha medo. Medo e fome. Tanta fome. Já não comia há alguns dias e quase não conseguia pensar. Apesar disso, sabia que tinha que aplacá-la, calar a fome, para poder, depois, cuidar do frio: ir para um lugar quente e dormir.
Embrenhada nos seus devaneios involuntários e quase inconscientes assustou-se com uma coruja a fazer um voo rasante à sua cabeça, que a tinha confundindo, talvez, com um coelho. Com a descarga de adrenalina que se seguiu, o seu coração bateu descompassada e rapidamente e toda ela tremia, com todos os músculos do seu corpo a contraírem-se espasmodicamente.
Teve que se sentar. Deitar-se. Afagou-se e, a custo, relaxou.
A fome lembrou-lhe, mais uma vez, a razão de estar ao frio durante a noite. Levantou-se e continuou o seu caminho.
Temia não encontrar comida. Estava demasiado frio. Havia concorrência. A sua tarefa parecia-lhe hercúlea, pois a coruja voava e em silêncio. Aquelas asas. Aquelas asas eram qualquer coisa de invejável para ela que tinha que pisar o chão, sempre com medo que algum restolho a denunciasse. Sentia que estava a perder a corrida.
Parou.
Tentou reflectir, analisar a situação. Forçou-se a deixar de ter pena de si própria. Obrigou-se a pensar em quem dependia dela. Afinal, felizmente, não estava só no mundo. Afinal, havia alguém por quem lutar.
Então, levantou-se e decidiu que, com ou sem corujas, tinha que caçar. Tinha que aplacar a sua fome e a dos seus cinco gatinhos!